ESPECIAL - JOVENS, ÁLCOOL E DIREÇÃO - PARTE 2

11/09/2012 16:52

 

 
Especial - Jovens, álcool e direção - parte 2
 
 

 

 

 


 

Na edição de setembro de 2003, em reportagem de André Ciasca, QUATRO RODAS comprovou que o álcool afeta as pessoas ao volante muito antes do que elas imaginam. Na ocasião, levamos voluntários entre 24 e 33 anos à pista para medir os efeitos da bebida na direção. O resultado foi o esperado: a cada dose de cerveja, os motoristas passavam a derrubar obstáculos pelo caminho e aumentavam a velocidade e o tempo de reação. Nesta edição, decidimos refazer o teste, em condições especiais. Convidamos nove voluntários entre 18 e 25 anos para uma prova noturna, reproduzindo as condições de visibilidade em que grande parte dos jovens dirige e se expõe a riscos. Divididos em três grupos, eles testaram não apenas os efeitos da cerveja, mas também os da "vodca ice" - bebida que a maioria considera leve, mas de teor alcoólico superior ao da cerveja - e o da vodca misturada com energético, drinque comumente consumido pelos jovens.
 
A cada dose, os voluntários davam uma volta completa no percurso. O teste foi conduzido pela equipe do Centro de Pilotagem Roberto Manzini, que preparou o circuito e registrou todos os detalhes - de um cone derrubado à má postura ao volante. Os voluntários eram sempre acompanhados por um instrutor. Ao voltar da pista, era feito o exame de alcoolemia, conduzido por Eduardo Carvalho, especialista de produtos da Dräger, fabricante de bafômetros que nos cedeu um aparelho. As reações fora da pista eram monitoradas pelos médicos Alberto Sabbag e Flávio Emir Adura, da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego, e Vilma Leyton, toxicologista da Faculdade de Medicina da USP. Eles registraram as alterações clínicas manifestadas a cada dose.
Após a volta de reconhecimento, os nove, sóbrios, deram sua primeira volta no circuito. Todos disseram que a tarefa parecia difícil, mas que na verdade era bem simples. Após a primeira dose, voltaram da pista seguros de que fizeram a volta bem melhor que quando sóbrios. "Fiz sem derrubar nada e bem mais rápido", disse Hani Hallage, 19 anos. De fato, ele ganhou tanta confiança com a primeira dose que fez o percurso quase na metade do tempo. O que ele não percebeu é que se posicionou de forma inadequada ao volante, perdeu o controle de aceleração e frenagem, usando os pedais bruscamente, e mostrou-se perdido no slalom. E derrubou, sim, um cone no percurso.
A partir da segunda dose, já eufóricos, os voluntários desciam do carro rindo das próprias peripécias. O estudante Jonas Chen, 20 anos, era um dos mais animados. "Ai, ai... Fiquei com dó dos cones", gritou após a terceira volta. Enquanto aguardavam a vez, o assunto entre eles passaram a ser as histórias já vividas com o álcool ao volante. "Eu não bebo e dirijo, porque na única vez em que fiz isso, bati o carro", diz Pâmela Morais. Uma das mais afetadas pelo teste foi a estudante Laís Vivan, 21 anos. Com uma só dose de vodca com energético, extrapolou o limite legal de álcool no ar exalado - 0,3 mg/l, que corresponde a 0,6 g/l de álcool no sangue. Se antes do teste declarou ter o costume de beber bastante sem se alterar, Laís mudou de idéia assim que percorreu o circuito sob o efeito da primeira dose. "A partir de agora eu já não dirigiria. Nunca imaginei que fosse tão grave assim", disse. Na última volta, derrubou incríveis 29 cones.
"Os cones estavam pulando"Outro caso que chamou a atenção foi o do programador Luis Felipe Volpato, 22 anos. Enquanto consumia a quarta latinha, disse estar enjoado da cerveja e pediu para trocar pela vodca. Como negamos, ele preferiu parar. Entretanto, pressionado pelos colegas, foi para a pista decidido a prosseguir com mais uma rodada. O resultado foi desastroso. Sóbrio, fez uma volta quase perfeita, mas com duas doses mostrou-se completamente incapaz de dirigir. Fosse no trânsito, teria sido multado por excesso de velocidade - passou a 76 km/h onde o limite era de 50 km/h -, avançado o sinal vermelho e atropelado um pedestre. "Juro que os cones estavam pulando na minha frente", dizia. Instrutores e médicos acharam mais prudente abortar a última dose.
O mais preocupante é que, ao fazer o exame do bafômetro, Luis Felipe encontrava-se no limite legal de álcool. "Pela lei, ele ainda poderia dirigir. Mas no teste ficou evidente que antes disso ele já estava muito agressivo e representaria um perigo enorme", diz o instrutor Roberto Manzini. Como esperado, os sinais de intoxicação alcoólica variaram de pessoa para pessoa, em razão da massa e gordura corporal, sexo, idade, conteúdo estomacal e experiência anterior com o álcool, entre outros. Felizmente, a ambulância que lá estava de prontidão voltou para casa sem trabalhar. E, ao fim do teste, a festa parecia estar apenas começando para o grupo, que estava no auge da euforia. A farra continuou na van, que deixou um por um em casa. Àquela altura, eles já sabiam por si mesmos que dirigir depois da bebedeira seria uma péssima idéia.

NA REAL

O cenário na reta dos boxes imitava situações comuns do trânsito. O slalom avalia a coordenação e a visão periférica. As curvas testavam a concentração. No radar, todos tinham de manter 50 km/h. Na faixa, um cone fazia as vezes de um pedestre e era jogado na frente do carro, e o semáforo testava o tempo de reação. Por fim, o motorista deveria estacionar em uma garagem improvisada.

PIOR QUE A APARÊNCIA
Se na pista os resultados falam por si, na avaliação médica os voluntários foram melhor do que imaginava. "Após a última dose, poucos apresentaram grandes alterações clínicas. Fosse um grupo mais velho, talvez tivéssemos melhores resultados na pista, mas alterações clínicas mais evidentes", afirma o doutor Alberto Sabbag. A cada dose, ele e o doutor Flávio Emir Adura avaliavam freqüência cardíaca e pressão sanguínea e realizavam uma série de provas para medir a coordenação e a concentração. Os voluntários deveriam andar em linha reta e tocar a ponta do nariz com os indicadores alternadamente (veja foto abaixo), entre outras tarefas. Ainda respondiam a um questionário que avaliava a cognição, com perguntas fáceis - como "que dia é hoje?" e "onde você está agora?" - e cálculos matemáticos simples. Salvo algumas alterações após a última dose, a maioria passou bem pelo teste. "Fiquei impressionada com a Laís, que só apresentou sinais clínicos evidentes quando já tinha extrapolado em três vezes o limite legal de álcool", diz a doutora Vilma Leyton.

CERVEJA Teor alcoólico 4,5%

Evaristo Fernandes 
Programador 
24 anos 
1,77 m; 85 kg
Direção
Mostrou habilidade ao volante na primeira volta. Na segunda, após duas latinhas, derrubou três cones e manobrou o carro muito próximo ao muro. Na terceira volta, parou o carro no sinal verde e deixou o motor morrer. Após a sexta lata, levou 11 cones pelo caminho e teve dificuldade para abrir a porta do carro.
Exame clínico
Foi quem menos manifestou alterações clínicas, com equilíbrio e coordenação aparentemente inalterados. Ao fim, apresentou a menor concentração de álcool, mas na segunda dose já estava legalmente incapacitado para dirigir. Visivelmente sonolento, falava com mais freqüência e menos clareza.
 

Karina Altieri 
Estudante 
20 anos 
1,63 m; 54 kg
Direção
Demonstrou excesso de cautela desde a primeira volta. Após duas latinhas, passou a reagir de forma cada vez mais lenta, mesmo em baixa velocidade. Na terceira volta, bateu nos cones ao estacionar. Na quarta, já demonstrava pouca noção de espaço no circuito. No geral, foi quem mais cometeu erros.
Exame clínico
Extrapolou o limite legal de álcool já na segunda dose, embora não aparentasse embriaguez. As alterações clínicas vieram a partir das últimas latinhas: tinha dificuldade em caminhar em linha reta e não conseguia manter o equilíbrio. Ao contrário dos demais, não apresentou sinais de sonolência.
 

Luis Felipe Volpato 
Programador 
22 anos 
1,70 m; 75 kg
Direção
Sóbrio, fez uma excelente volta. Após a primeira dose, passou a acelerar, mas passou pelo circuito sem derrubar nenhum cone. Na terceira volta fez quase tudo errado: derrubou 15 cones, atropelou o pedestre, avançou o sinal vermelho, atingiu 76 km/h (o limite era de 50 km/h) e colidiu na garagem.
Exame clínico
Perdeu a timidez logo na primeira dose. Na segunda, já não caminhava em linha reta e errou uma prova de cálculo simples. Disse estar enjoado da cerveja e quis trocar pela vodca - ao que negamos. Mesmo estando no limite legal de álcool, demonstrou muita agressividade na pista e teve a última dose abortada.

VODCA ICE Teor alcoólico 5%

Gabriel Andreuccetti 
Biólogo 
24 anos 
1,85 m; 78 kg
Direção
Sóbrio, falhou no controle de aceleração e freio. Errou menos na segunda volta, depois da primeira dose. Após a segunda, já não se posicionou bem ao volante e derrubou oito cones. Na última, teve dificuldade para colocar o cinto e aumentou a velocidade na reta. No geral, foi quem menos errou no circuito.
Exame clínico
Só ultrapassou o limite legal de álcool na terceira rodada. Mas a partir da segunda dose já estava bem mais falante e errou uma prova simples de cálculo. Depois de seis latas, ficaram ainda mais evidentes alguns sinais de embriaguez. Perdeu o equilíbrio e a coordenação e já não conseguia andar em linha reta.
 

Jonas Chen 
Estudante 
20 anos 
1,87 m; 72 kg
Direção
Sóbrio, cometeu erros de postura ao volante e de controle de aceleração e freio. Errou menos na segunda volta, mas já demonstrava agitação excessiva. Na terceira volta, desceu do carro dizendo estar "com dó dos cones". Na última, derrubou nada menos que 21 deles e ameaçou frear no sinal verde.
Exame clínico
No bafômetro, só extrapolou o limite legal após a terceira dose. Mesmo ao fim do teste, manteve- se bem em todos os parâmetros clínicos - à exceção do tempo de reação ao ofuscamento, que dobrou, e da fala um pouco confusa. A sonolência não veio no autódromo, mas na van, durante a volta para casa.
 

Mariana Ruggiero 
Designer 
23 anos 
1,69 m; 59 kg
Direção
Sóbria, demonstrou desenvoltura ao volante. Após a primeira dose, errou uma troca de marchas e perdeu a boa postura. Na segunda, deixou o motor morrer e avançou o sinal vermelho. Na última, atropelou 16 cones. No geral, teve o segundo melhor desempenho no circuito, depois de Gabriel.
Exame clínico
Conseguiu acompanhar o ritmo dos rapazes no bafômetro até a quarta latinha de bebida. Só passou a manifestar sinais clínicos de alteração após a terceira rodada, como perda de equilíbrio e coordenação motora. Ficou sonolenta, já não falava com clareza e aumentou seu tempo de reação ao ofuscamento.

VODCA COM ENERGÉTICO Teor alcoólico 37,5%

Hani Hallage 
Estudante 
19 anos 
1,84 m; 74 kg
Direção
Sóbrio, fez uma boa volta circuito. Ganhou confiança após a primeira dose e pisou fundo, baixando seu tempo quase pela metade. Na terceira volta, manobrou perigosamente o carro próximo ao muro. Na última, teve dificuldade para colocar o cinto de segurança e desequilibrou-se ao sair do veículo.
Exame clínico
Não apresentou sinais clínicos aparentes até a segunda dose, quando extrapolou o limite legal no teste do bafômetro. Na terceira dose, apresentou alterações em quase todos os parâmetros de equilíbrio e coordenação motora. Era o mais agitado da turma, e queria continuar bebendo após o teste.
 

Laís Vivan 
Estudante 
21 anos 
1,54 m; 53 kg
Direção
Sóbria, fez uma boa volta, embora tenha derrubado um cone. Com a primeira dose ficou tensa, passou a dirigir com o pé na embreagem e deixou o motor morrer. Na última volta, derrubou 29 cones e só não colidiu com o muro graças à intervenção do instrutor. Só conseguiu estacionar na garagem sóbria.
Exame clínico
Com uma única dose, extrapolou o limite legal de álcool. A partir da segunda dose passou a falar com sonolência. Na última, errou uma prova simples de cálculo e, no teste de ofuscamento, triplicou seu tempo de reação. Foi quem apresentou as maiores alterações clínicas, em quase todos os parâmetros.
 

Pâmela Morais 
Publicitária 
25 anos 
1,73 m; 58 kg
Direção
Mesmo sóbria, teve dificuldade para dirigir com a postura adequada e usar os pedais de forma coordenada. Curiosamente, foi a única que não derrubou cones na terceira volta - derrubou um na segunda rodada e 12 na última. A partir da segunda dose, o instrutor observou que ela falava demais ao volante.
Exame clínico
Foi quem menos aparentava embriaguez ao fim do teste. Mesmo após a terceira dose de vodca, só era perceptível uma leve euforia e dilatação nas pupilas. De fato, teve poucas alterações no exame clínico -um pequeno desequilíbrio após a segunda dose. Mas, na primeira, já chegou ao limite legal de álcool.